DOI :http://dx.doi.org/10.14718/RevArq.2014.16.12

ARTÍCULO. TECNOLOGÍA, MEDIOAMBIENTE Y SOSTENIBILIDAD

A influência das prateleiras de luz no aproveitamento da luz natural sob obstrução externa

La influencia de las repisas de luz en el aprovechamiento de la luz natural bajo obstrucción externa

The Influence of Light Shelves in the High-Performance Use of Natural Light under External Obstruction

Ricardo Nacari Maioli *

Mariani Dan Taufner **

Cristina Engel de Alvarez ***
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (Brasil)

*Arquiteto e urbanista, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Mestrando, Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil, UFES, bolsista Capes.Publicações recentes: Maioli, R. N., Alvarez, C. E. de (2013). Análise da utilização de prateleiras de luz em Vitória-ES (Brasil). Habitat Sustentable, 3, pp. 37-46. ricardomaioli@gmail.com

**Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Iniciação Científica no Laboratório de Planejamento e Projetos, UFES, bolsista CNPq.marianitaufner@gmail.com

***Arquiteta e urbanista, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestrado e Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP). Coordenadora do Laboratório de Planejamento e Projeto da UFES. Publicações recentes: Laranja, A. C., Alvarez, C. E. de, Campos, N. P. (2014). Contribuição dos estudos de Alta Qualidade Ambiental à legislação brasileira. Labor & Engenho, 8, pp. 93-99. Silva, F. T., Alvarez, C. E. de (2014). A exegese legislativa acerca da ventilação urbana: proposição de sistema para avaliação de adequabilidade. Paranoá (UnB), 11, pp. 23-34. Laranja, A. C., Alvarez, C. E. de, Matarangas, K. (2013). Análise da influência da orientação das aberturas na disponibilidade de iluminação natural no ambiente interno na extensão de sua profundidade. Labor & Engenho, 7, pp. 84-98. cristinaengel@pq.cnpq.br

Referencia:Nacari Maioli, R., Dan Taufner, M., & Engel de Alvarez, C. (2014). A influência das prateleiras de luz no aproveitamento da luz natural sob obstrução externa. Revista de Arquitectura, 16, 105-113. doi: 10.14718/ RevArq.2014.16.12

Recibido: enero 8/2014 Evaluado: mayo 5/2014 Aceptado: julio 9/2014


RESUMO

A investigação considera a hipótese de que o uso do dispositivo prateleira de luz pode contribuir para aperfeiç;oar a distribuição e o controle da luz natural interna, o que melhoraria o conforto visual e aumentaria a eficiência energética do edifício. O objetivo da pesquisa foi avaliar a influência desse dispositivo combinado com diferentes tipos de vidro em condições de obstrução externa, aproximando-se da realidade dos centros urbanos verticalizados. Foram escolhidas seis cidades brasileiras em diferentes latitudes, nas quais foi simulado um edifício de escritórios composto por aberturas com diferentes percentuais de obstrução da abóbada celeste. Analisou-se a iluminânciaútil (Useful Daylight Illuminances — UDI), por meio do software Daysim, e obteve-se como resultado a comprovação de que a inserção dos edifícios verticais nos centros urbanos —modelo usual nas cidades brasileiras— pode interferir na qualidade lumínica do ambiente interno.

Palavras-chave: Entorno construído, conforto visual, udi, simulação computacional, Software Daysim.


RESUMEN

La investigación considera la hipótesis de que el uso del dispositivo "bandeja de luz" puede contribuir a optimizar la distribución y el control de la luz natural interna, mejorando el confort visual y aumentando la eficiencia energética del edificio. El objetivo de la investigación fue evaluar la influencia de ese dispositivo en combinación con diferentes tipos de vidrio en condiciones de obstrucción externa, acercándose a la realidad del modelo de urbanización con rascacielos. Se escogieron seis ciudades brasileñas en diferentes latitudes, donde se simuló un edificio de oficinas y se consideraron ventanas con diferentes porcentajes de obstrucción de la bóveda celeste. Se analizó la iluminanciaútil (Useful Daylight Illuminances - UDI) por medio del software Daysim, comprobando que el incremento de edificios verticales en los centros urbanos —modelo usual en las ciudades brasileñas— puede interferir en la calidad lumínica del ambiente interno.

Palabras clave: Entorno construido, confort visual, UDI, simulación por ordenador, software Daysim.


ABSTRACT

The research considers the hypothesis that the use of the device known as "light shelf" could contribute to optimize internal natural light distribution and control, improving visual comfort and increasing the building's energy efficiency. The purpose of the inquiry was to evaluate the device's influence combined with different types of glasses in condition of external obstruction, resembling the reality of the urbanization model with skyscrapers. Three Brazilian cities in different latitudes were chosen, where a simulation of an office building with windows having different obstruction percentages of the celestial sphere took place. With the help of Daysim software, we analyzed the Useful Daylight Illuminances —UDI, verifying that the increase of vertical buildings in urban centers —the usual model in Brazilian cities- could interfere in the quality of light of the internal atmosphere.

Key words: Built surroundings, visual comfort, UDI, computer simulation, Daysim Software.


INTRODUÇÃO

O trabalho foi desenvolvido a partir da dissertação de mestrado "Avaliação da influência do dispositivo prateleira de luz no conforto visual em edificação comercial com entorno obstruído" (2012-2014), financiado pela Coordenação de Aperfeiç;oamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); em conjunto com a pesquisa de iniciação científica "Proposta de ferramenta para avaliação do índice de sustentabilidade voltado para as edificações do estado do Espírito Santo" (2013-2014), apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A pesquisa partiu do pressuposto que os sistemas de redirecionamento da luz natural, tais como as prateleiras de luz, podem otimizar as condições de iluminação do ambiente interior de edificações por possibilitarem a ampliação da quantidade de luz dentro de um edifício (Sanati e Utizinger, 2013).

Um exemplo de dispositivo utilizado para redirecionar a luz natural para dentro do edifício é a prateleira de luz, que se constitui em um elemento plano horizontal ou inclinado, posicionado em uma abertura vertical, que a divide em uma parte superior e outra inferior (Baker e Steemers, 2002). Esse elemento pode ser externo, interno ou ambos, e possui índice de reflexão considerável em sua superfície superior. Caracteriza- se por funcionar também como um dispositivo de sombreamento que bloqueia a luz solar direta e a redireciona para o teto e fundos do ambiente, o que diminui a entrada de luz natural direta e, consequentemente, reduz ganhos de calor (Freewan, 2010).

A entrada da luz solar direta pode ser um problema para um ambiente de trabalho e causar, além da luz excessiva nas proximidades da abertura, ganhos térmicos e iluminação interior desuniforme (Baker e Steemers, 2002). Um desafio considerável para arquitetos e designers que trabalham com iluminação é justamente a dificuldade de adaptação do olho humano com essa diferença de brilho, o que pode obscurecer a visão após a exposição (Suk, Schiler e Kensek, 2013). Esse desconforto visual pode ser minimizado com o uso de prateleiras de luz, considerando principalmente sua capacidade de distribuir a luz oriunda da abertura para o interior do ambiente.

Conforme Sanati e Utizinger (2013), ocupantes de um ambiente de trabalho sob presenç;a desse dispositivo demonstram menos necessidade de fechar persianas, quando comparada a um mesmo vão com janela convencional, o que contribui para média de duas horas menos de luz elétrica por dia.

Em países cujo ganho solar ocorre em excesso, é comum o uso de vidros com baixa transmitância para amenizar o brilho indesejável. No entanto, além de prejudicar a relação do usuário com o exterior, tal medida promove o bloqueio de parte considerável da luz natural, que poderia ser melhor aproveitada se fosse melhor distribuída de forma adequada pelo ambiente, o que minimizaria também o uso da iluminação artificial (Chaiwiwatworakul e Chirarattananon, 2013).

Para fins de cálculo de quantidade de luz que alcança o interior de um ambiente, ainda devese considerar a presenç;a de obstruções externas que afetam o desempenho lumínico e energético. A quantidade de céu obstruído apresenta efeitos de sombreamento provocado por prédios vizinhos, que influenciam na iluminância medida no ambiente interno (Li e Wong, 2007). Quando os edifícios são locados muito próximos uns aos outros, o bloqueio da passagem de luz pode ser severo, principalmente nos pavimentos mais baixos (Li Wong, Tsang e Cheung, 2006).

Também atua na relação do edifício com o entorno, a reflexão da iluminância deste para o interior a ser investigado. A cor das superfícies externas, por exemplo, pode aumentar ou diminuir a quantidade de luz refletida, o que influencia inclusive no Índice de Reprodução de Cor (IRC) da luz admitida pela abertura (Li, Wong, Tsang e Cheung, 2006). Pesquisa realizada por Pereira, Pereira e Claro (2008) comprova que o fenômeno de luz refletida provinda de obstrução externa, em condição de céu real, pode contribuir em até 26% do total de luz natural admitida.

A simulação computacional para identificação do desempenho lumínico de um modelo de ambiente é atualmente uma ferramenta bastante utilizada para avaliações de eficiência, e um dos softwares de destaque para essa área de estudo é o Daysim (Jakubiec e Reinhart, 2013; Yun e Kim, 2013). Este software calcula os valores de iluminância baseado no método Ray-tracing, o qual considera o clima típico local (Yun e Kim, 2013). O programa computacional citado utiliza o conceito de coeficientes de luz natural e o modelo de céu Perez para prever a iluminância de interiores. O software é validado e capaz de calcular com precisão, na escala dos bairros urbanos, caracterizado pela presenç;a de obstrução externa, sombreamento contextual e reflexões. É um importante instrumento de aproximação do contexto real e caracteriza-se, ainda, por possibilitar a simulação da irradiação em um ano inteiro, o que amplia a precisão da simulação (Jakubiec e Reinhart, 2013).

A orientação das aberturas é um fator fundamental de análise da iluminação nos ambientes internos, seja no aspecto qualitativo como quantitativo. Para algumas situações no Brasil, a presenç;a da prateleira de luz na orientação sul pode representar um aumento no consumo de energia para ambientes internos. Na pesquisa de Santos e Souza (2012), por exemplo, em Belo Horizonte houve um aumento médio de 10% de consumo de energia provindas de iluminação elétrica e ar condicionado ocasionado pela adoção de proteções solares nessa orientação. Estudos anteriores provam que prateleira de luz voltada para a fachada norte apresenta maior redução de consumo elétrico, porém, para as outras principais orientações, essa redução depende do tipo de vidro utilizado (Santos e Souza, 2012).

A pesquisa tem como objetivo averiguar avaliar, através de estratégias combinadas de prateleiras de luz e materiais com diferentes índices de transmitância, o desempenho lumínico de ambientes internos de escritórios situados em locais com possibilidades de obstrução da luz ocasionada por edificações vizinhas.

MÉTODO

Nesta pesquisa, o método utilizado baseouse em comparações de modelos simulados em computador para avaliação da iluminância interna dos ambientes proveniente da iluminação natural. As simulações foram desenvolvidas no software Daysim, no qual foram inseridos os arquivos climáticos "epw" dos locais selecionados para a simulação de iluminação natural durante o ano, no período das 8 às 17 horas.

Foi adotada uma tipologia para o edifício modelado nesta pesquisa, baseada em levantamento realizado em nível nacional (Lamberts, Ghisi e Ramos, 2006) a fim de caracterizar uma edificação comercial que hipoteticamente poderia se encontrar em diferentes regiões do país. Semelhante tipologia foi utilizada nas pesquisas de Bernabé (2012), dentre outras. Assim como na pesquisa de Casagrande (2013), as seis cidades selecionadas para representar as diferentes latitudes do território nacional foram Belém (01º23'S), Recife (08º08'S), Brasília (15º52'S), Vitória (20º16'S), São Paulo (23º37'S) e Porto Alegre (30º00'S).

A tipologia adotada caracteriza-se como um edifício de 11 pavimentos, no qual foi escolhida para a simulação uma das salas centrais à edificação, localizada em três diferentes pavimentos. A sala proposta para o estudo é retangular, com dimensões de 5,00 x 6,00 m, conforme demonstrado na figura 1

A fim de simular uma situação que se aproxime da realidade dos centros urbanos verticalizados, foi proposto um entorno ao edifício que caracterizasse elementos obstruidores de parte da abóbada celeste. A distância entre os edifícios foi estipulada considerando uma largura de via e os afastamentos frontais e laterais usuais nas cida des escolhidas, com o intuito de simular diferentes percentuais de obstrução do céu medidos a partir do centro das aberturas (figura 2).

Os pavimentos selecionados em função do percentual de céu visível correspondem ao 2º, 7º e 10º pavimentos —por representarem diferentes situações de visibilidade do céu—, com percentual de obstrução de 43%, 26% e 11%, respectivamente. Além destes, também foi simulado um modelo que desconsiderasse qualquer obstrução no entorno como modelo de referência (figura 3).

Entretanto, a pesquisa propõe o estudo do desempenho da prateleira de luz em conjunto com as obstruções acima descritas. Como esse dispositivo se projeta para fora da abertura, mais uma parcela da abóbada celeste é obstruída por esse elemento, o que reduz a parcela de céu visível em todos os modelos. O percentual de redução é variável de acordo com a dimensão do dispositivo, diferente em cada localidade.

As prateleiras foram dimensionadas de acordo com a latitude, considerando que esse fator influencia no ângulo da trajetória solar durante os dias do ano. Seguindo esse conceito, para as maiores latitudes foram dimensionadas prateleiras mais largas a fim de obstruir qualquer mancha solar nos horários entre as 10 e as 14 horas durante todo o ano (figura 4). A orientação proposta para as edificações é com as aberturas voltadas para o Norte, visto que para o hemisfério Sul esta parece ser a melhor orientação de fachada para o uso das prateleiras de luz.

Em conjunto com o dispositivo de proteção e redirecionamento de luz foram utilizados dois diferentes tipos de vidro na porção inferior da abertura. Os tipos utilizados nas simulações foram o vidro incolor convencional (incolor), com transmitância visível de 90%; e um painel translúcido com apenas 20% desse fator. Os dois modelos utilizados nas simulações se encontram disponíveis na biblioteca do software Daysim (para esta pesquisa, suas configurações originais não foram alteradas).

O material com menor transmitância visível foi utilizado com o intuito de simular um ambiente com baixa luminância proveniente da porção inferior da abertura, que possibilita a redução do ofuscamento causado por excesso de luz no campo visual do usuário (Chaiwiwatworakul e Chirarattananon, 2013). A porção superior da abertura foi modelada com o vidro incolor nas duas situações, visto que essa parcela da janela deve proporcionar uma maior entrada de luz e será a responsável pelo redirecionamento da luz natural para o teto e o fundo da sala (Baker e Steemers, 2002).

Outro fator que influencia na quantidade e qualidade de luz que atinge a superfície de trabalho são as propriedades refletoras das superfícies internas (Hopkinson, Petherbridge e Longmore, 1980). Nessas superfícies internas ao ambiente modelado, os índices de reflexão utilizados para piso, parede e teto, foram respectivamente 20%, 50% e 70%, ou seja, os mesmos adotados na pesquisa de Bernabé (2012). Considerando que as prateleiras de luz devem possuir uma superfície com alto índice de reflexão para um melhor aproveitamento da luz natural, adotou-se nesse elemento um valor correspondente a 80%.

Os tipos de céu de cada localidade também têm influência na luz admitida. Para uma análise mais precisa da influência da nebulosidade no nível de iluminamento interior de cada modelo, foi simplificada a probabilidade de ocorrência dos tipos de céu com os dados de nebulosidade presentes nos arquivos climáticos do ano de referência, em formato "TRY", de cada cidade selecionada. Para isso, foram contabilizados apenas os dados referentes ao período das 8 às 17 horas, mas não foram excluídos os finais de semana por praticidade.

Assim como na pesquisa de Carlo, Pereira e Lamberts (2004), para a organização dos dados, considerou-se, dentro da escala de 0 a 10 presente no arquivo climático, que as nebulosidades 0 e 1 são correspondentes ao céu limpo, de 2 a 8 ao céu parcialmente nublado e 9 e 10 referente ao céu nublado. Com esses dados, foi possível analisar a ocorrência média dos tipos de céu nas localidades e verificar sua influência na quantidade de luz admitida no recinto, proveniente do sol, da abóbada celeste ou de reflexões nas superfícies externas.

Como as superfícies externas também podem ter uma contribuição significativa para a reflexão da luz natural para o interior do edifício através de aberturas laterais (Pereira, Pereira e Claro, 2008), foi modelado um entorno com características específicas para superfícies verticais e horizontais. Segundo as pesquisas de Pereira, Pereira e Claro (2008) e Leder, Pereira e Moraes (2007), os índices de reflexão das superfícies externas — como o piso exterior e as fachadas dos edifícios obstruidores que eram utilizados em pesquisas anteriores— não refletiam as condições de uma situação real. Nesse caso, para as obstruções externas, adotou-se um índice de 40% e para a superfície do solo, 20%, mesmos valores utilizados nas pesquisas de Capeluto (2003) e Laranja, Gazzaneo e Cabús (2009).

Por fim, os ambientes retangulares simulados foram avaliados adotando-se uma malha composta por 30 pontos de medição, afastados 1m entre si e 0,5m das paredes. Esses pontos foram dispostos a uma altura de 0,75m do piso a fim de simular a altura do plano de trabalho (figura 5).

Os dados de saída das simulações executadas no software Daysim fornecem valores anuais de iluminância por ponto de medição e o percentual de horas enquadradas nos três intervalos da UDI, a partir dos quais foram realizadas análises para avaliação da disponibilidade da luz natural no ambiente interno para cada modelo (Nabil e Mardaljevic, 2006).

RESULTADOS

A partir das simulações dos modelos localizados em diferentes latitudes, foi possível comparar os dados obtidos entre o aproveitamento da luz natural nos três pavimentos selecionados, caracterizados por diferentes percentuais de obstrução da abóbada celeste. Além desse fator, também foi comparada a influência da adoção de um material com menor transmitância visível nos níveis de iluminância interna e a influência das características dos tipos de céu na admissão da luz.

A comparação entre os dados de nebulosidade para as 3.650 horas de sol das cidades selecionadas apresentou resultados que podem influenciar na eficiência das prateleiras de luz, visto que algumas localidades podem apresentar altos índices de nebulosidade, o que minimiza a disponibilidade de luz natural a ser aproveitada.

Na tabela 1 podemos observar a frequência de ocorrência dos três tipos de céu, classificados por Carlo, Pereira e Lamberts (2004), para as seis localidades investigadas. É possível observar que as cidades de Belém e Recife possuem alto índice de nebulosidade, nas quais o céu se encontra limpo em menos de 10% das horas analisadas. Entretanto, a primeira possui mais de 40% do período com céu nublado, ou seja, com menor disponibilidade de luz natural.

A cidade de Porto Alegre, apesar de ser a de maior latitude, possui o maior percentual de céu limpo entre as cidades selecionadas; Recife, com menor percentual de céu limpo e nublado, apresenta o maior percentual de céu parcialmente nublado.

Comparação entre as diferentes latitudes

Quando são analisados os dados extraídos das simulações e comparados às diferentes cidades selecionadas, é notória a queda dos níveis de iluminância à medida que se afasta da Linha do Equador.

Apesar de as cidades apresentarem diferentes características de nebulosidade do céu ao longo do ano, o modelo simulado em Belém é o que possui o maior percentual de horas com iluminância excessiva, ou seja, acima de 2000 lx; Porto Alegre, o menor percentual de horas nesse mesmo intervalo. Essa queda nos níveis foi gradual, da cidade mais próxima à latitude 0º à mais afastada, quando comparadas as médias de todos os modelos simulados, com e sem obstrução externa.

Com exceção dos modelos simulados na cidade de Belém, a situação contrária também é observada. Quanto mais afastado da Linha do Equador, menor os níveis gerais de luminosidade e, consequentemente, maior o número de horas dentro da faixa de iluminância insuficiente. Nesse caso, a cidade de Porto Alegre apresentou o maior percentual, com aproximadamente 14,6% (tabela 2).

Contudo, os modelos simulados em Belém apresentaram 4,4% das horas simuladas com iluminância abaixo de 100 lx, percentual supesuperior aos observados em Recife, Brasília e Vitória, com respectivamente, 1,2%, 2,3% e 3,6%. Essa característica pode ser creditada aos altos níveis de nebulosidade da abóbada celeste apresentados nessa cidade, cujo valor é superior ao encontrado nas outras localidades estudadas, segundo os dados dos arquivos climáticos correspondentes. Além desse fato, de acordo com o resumo do arquivo climático, Belém apresenta também os menores índices de radiação global e direta, quando comparados às demais.

Dentre as localidades simuladas, a que apresentou a maior quantidade de horas na faixa de iluminância útil foi a cidade de Vitória, cujo percentual atingiu um valor acima de 91%, quando contabilizados todos os horários dos diferentes modelos simulados. Esse percentual foi 4% superior ao registrado na cidade com o segundo maior valor, referente à cidade de Brasília.

Comparação entre os diferentes tipos de materiais transparentes

Na comparação entre os dois tipos de materiais propostos, observou-se, como esperado, um maior índice de iluminância nos modelos simulados com o vidro incolor na porção inferior da abertura. Aliado a esse fato, a escolha desse vidro proporcionou, em geral, um maior número de horas com iluminância excessiva nos pontos de medição.

Com o intuito de investigar uma solução para reduzir esse índice, foram simulados modelos apresentando um painel translúcido com transmitância visível de 20%, decorrendo em uma diminuição considerável nos níveis de iluminância internos. Essa medida praticamente eliminou o percentual de horas simuladas com níveis de iluminância excessiva nas três cidades com as maiores latitudes.

Em geral, o uso do material translúcido reduziu a quantidade de horas com iluminâncias acima de 2000 lx, o que contribuiu para aumentar o percentual de horas com luminância entre 100 a 2000 lx. A maior redução foi observada na cidade de Recife, onde o percentual de horas simuladas que apresentavam valores considerados excessivos, passou de 28% para 0,4%. A substituição do vidro comum pelo painel translúcido proporcionou um valor acima de 99% das horas dentro do intervalo de iluminância útil.

Em aproximadamente 70% dos modelos simulados, a opção com painel translúcido proporcionou um aumento das horas no intervalo de iluminância útil. Apenas na cidade de Porto Alegre a opção por esse tipo de material apresentou pior desempenho quando analisadas todas as simulações dessa localidade, como pode ser observado na tabela 3.

As situações que já apresentavam baixos índices de iluminância excessiva —como para os modelos simulados no 2º pavimento nas três maiores latitudes—, obteve-se um aumento considerável de horas abaixo dos 100 lx.

Outro fator influenciado pelo vidro foi a uniformização da iluminação no interior do recinto. O painel translúcido contribuiu significativamente para a redução dos altos índices de iluminância medidos nos pontos próximos à abertura, o que diminuiu a diferença entre o maior e o menor valor encontrado na sala, como pode ser observado na figura 6.

Entretanto, como comentado anteriormente, nessa cidade a opção pelo painel translúcido pode não ser a melhor escolha, considerando os valores finais de iluminância obtidos nas simulações realizadas. Observa-se na figura 6 por exemplo, que o modelo com o vidro incolor apresenta, na maioria dos pontos de medição, valores no intervalo entre 500 e 2000 lx. Em virtude disso, a opção pelo painel translúcido, apesar de apresentar um índice de uniformidade um pouco superior —aproximadamente 0,29 contra 0,27 do vidro incolor—, atingiu níveis inferiores a 500 lx em 66% dos pontos de análise, o que poderia representar um maior consumo de energia elétrica para complementação com iluminação artificial.

Comparação entre os diferentes percentuais de obstrução

Para uma análise sem influência do fator altura em relação ao nível da rua, os dados de saída do software foram analisados comparando o modelo similar do mesmo pavimento, porém sem a obstrução externa.

Comparação entre os pavimentos

Ao analisar dados referentes aos modelos sem obstrução dispostos em pavimentos diferentes, constata-se que, em geral, os pavimentos superiores atingem maiores níveis de iluminância que os demais (figura 7).

Ao se analisar os modelos com vidro incolor, os maiores percentuais de horas do ano no intervalo entre 100 e 2000 lx são observados no segundo pavimento. Entretanto, quando analisados os modelos com painel translúcido, a situação se inverte e o 10º pavimento apresenta os maiores percentuais nesse intervalo.

Nos modelos simulados em Porto Alegre, para a sala situada no 2º pavimento, o modelo sem obstrução e com painel translúcido alcançou os mesmos percentuais nos intervalos de UDI que o modelo com obstrução, porém com vidro incolor. Entretanto, neste último foram verificados, em geral, valores superiores de iluminância média nos pontos de medição em aproximadamente 59% das horas simuladas. Somente nos dois pontos mais afastados da abertura e próximos às paredes laterais a média dos níveis de iluminância se encontra abaixo de 500 lx. Isso indica que, para essa localidade, no caso das situações supracitadas, o desempenho do modelo com obstrução e com vidro incolor foi superior, se comparado à opção sem obstrução e com painel translúcido.

Esse fato pode ter ocorrido devido à área obstruída da abóbada celeste ser quase total, visto que nessa latitude a prateleira apresenta a maior profundidade, dentre os modelos simulados. Observa-se que o dispositivo obstrui a parte central superior da abóbada visível através da abertura enquanto os obstáculos externos obstruem a sua porção inferior (figura 8)).

Também foi possível observar que, em todas as localidades simuladas, o modelo sem obstrução externa apresentou maior percentual de iluminância útil quando simulado no 2º pavimento com vidro incolor na porção inferior da abertura.

CONCLUSÕES

A partir da análise dos resultados obtidos, foi possível observar a influência das variáveis simuladas nos modelos propostos em relação à disponibilidade de iluminação natural no espaço interno.

As prateleiras de luz se mostraram eficientes na distribuição das iluminâncias em profundidade nos casos simulados e mantiveram a maioria dos pontos de medição com níveis próximos ao intervalo de iluminância útil, compreendido entre 100 e 2000 lx.

A escolha por um material com menor transmitância visível na porção inferior da abertura pode reduzir os níveis de iluminância internos a valores considerados insuficientes para o conforto visual. Em algumas situações, principalmente nos modelos com obstrução externa e nas maiores latitudes, essa característica foi observada, o que pode acarretar maior gasto com energia elétrica para iluminação artificial.

O uso desse material com apenas 20% de transmitância visível também proporcionou um aumento na uniformização das iluminâncias no interior da sala, se comparados aos modelos com vidro incolor. Nesses casos, a redução maior dos níveis de iluminância ocorreu na porção próxima à abertura, o que diminuiu a diferença com a iluminação nos pontos internos de medição.

As menores latitudes alcançaram maiores níveis de iluminância nos pontos internos de medição. Entretanto, o aproveitamento da iluminação natural através das prateleiras de luz sofre influência das condições de nebulosidade do céu de cada região. Esse fator pode fazer com que cidades com menores latitudes alcancem desempenho inferior a outras mais afastadas da Linha do Equador.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) a bolsa de estudos que permitiu o desenvolvimento da dissertação de mestrado da qual este artigo é derivado; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a bolsa de iniciação científica; ao LabEEE/UFSC, os dados climáticos das cidades brasileiras e, por fim, ao Laboratório de Planejamento e Projeto (LPP), o apoio nesta pesquisa.


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